No dia 02/05/2023, terça-feira, por volta das 08h30min, partiram de Canoinhas/SC com destino à localidade de Avencal do Meio (Mafra/SC) e Itaiópolis/SC, Fernando Tokarski, Roselis Carvalho Tokarski (Zeca), Fátima Santos, Charles Deki e Diego Gudas. O objetivo da viagem consistiu em conhecer locais relacionados à história do Planalto Norte Catarinense e Sul do Paraná, bem como visitar imóveis componentes do patrimônio cultural da região.
A história de Mafra e Itaiópolis, por consequência, a de municípios vizinhos, a exemplo de Canoinhas, Bela Vista do Toldo, Major Vieira e Três Barras, está intimamente ligada ao município paranaense de Rio Negro. O surgimento deste, por sua vez, está atrelado à abertura do caminho das tropas, que, desde 1729, propiciou o transporte de gado do Sul (gado vacum, muar e cavalar) com destino às feiras de Sorocaba/SP. A partir do momento em que o caminho das tropas passou a ter trânsito regular, Rio Negro sediou um registro fiscal com a função de cobrança de tributos para cada animal que por ali passava.
O núcleo populacional do lugar foi iniciado em torno do registro. Esse núcleo teve impulso significativo com a chegada dos imigrantes alemães em 1829. Nesse ano, duas levas distintas de colonos chegaram a Rio Negro. Na primeira delas, chegaram 20 famílias compostas de 100 pessoas. Na segunda, 27 famílias compostas de 138 pessoas. Somando-se, houve a vinda de 47 famílias e um total de 238 imigrantes. Importante destacar que nessa época Rio Negro era território da província de São Paulo, pois o Paraná ainda não havia se emancipado, o que só viria a ocorrer em 1853. Foram esses os pioneiros que geraram famílias conhecidas na região do Planalto Norte Catarinense e Sul do Paraná. Citem-se, por exemplo, as famílias Bley, Schultz, Granneman, Ruthes (Roth), Kraus, Hacke, Sauer dentre outras.
A partir do momento em que o Paraná se tornou autônomo, desvinculando-se de São Paulo, as divisas com Santa Catarina se mantinham indefinidas, gerando a famosa Questão do Contestado. A contenda somente foi resolvida em 1916, quando da assinatura do acordo de limites entre os dois estados. Esse acordo deu origem a alguns municípios. Um deles foi Mafra que se desvinculou de Rio Negro. Assim, muitas das famílias que chegaram a Rio Negro em 1829, estabeleceram-se em locais que, a partir de 1916, se tornaram Mafra. Em vista disso, o município de Mafra possui diversos lugares que se relacionam à vinda dos imigrantes de 1829. A título de exemplo, pode-se citar a localidade rural mafrense de Avencal do Meio. Nessa localidade se estabeleceram diversos colonos e seus descendentes. No cemitério local, Santa Cruz, estão sepultadas várias dessas pessoas.
De acordo com Alice Fürst Biernaski, ao se referir ao cemitério, em seu livro Minha Família: Fürst, Ruthes, Sauer e Ziepperer: “Pedro Sauer, já de início, colocou uma cruz de madeira em seu terreno, que resistiu ao tempo e pode ser vista até os dias de hoje, junto ao cemitério Santa Cruz, o mais antigo do município de Mafra, onde foi construída a primeira igrejinha, também de nome Santa Cruz. A igreja foi inaugurada em 03 de maio de 1860, mas a tempo foi extinta. A capela Santa Cruz, com a mudança da rodovia, acompanhou a estrada para, assim, dar melhores condições aos devotos. No local ficou o cemitério, o mais antigo do município de Mafra. Não temos data precisa do início. Consta que o pedido de uma moradora, Catharina Clemente, esposa de Nicolau Hack, o seu desejo era ser sepultada ao lado da Capela Santa Cruz, a qual foi atendida. No dia 25 de maio de 1892 foi aí sepultada, sendo uma das primeiras, dando continuidade ao cemitério. Segundo dados, já haviam sepultamentos anteriores a este, devido a impedimentos em tempos chuvosos, de chegarem a Rio Negro, onde eram sepultados” (2022, p. 58).
Na saída de campo do dia 02/05/2023, o cemitério de Santa Cruz, no Avencal do Meio, foi o primeiro dos locais visitados. O grupo foi guiado e acompanhado por Luiz Fürst e Luiz Carlos Meyer, ambos sendo descendentes dos colonos de Rio Negro. Luiz Fürst constrói sepulturas, o que lhe trouxe, ao longo dos anos, grande conhecimento acerca do cemitério de Santa Cruz. São várias as sepulturas de imigrantes ainda existentes, inclusive, a que foi referida (de Catharina Clemente), datada de 1892. Neste importante sítio histórico foram tomados apontamentos e capturadas imagens. Também foi nesse local, em uma estrutura existente para abrigar os visitantes no dia de finados, que o grupo realizou seu almoço.
Após a refeição e a despedida de nossos dois guias, o grupo dirigiu-se ao município de Itaiópolis/SC. O município também guarda relação com Rio Negro e seus primeiros colonos. Além disso, teve levas próprias de imigrantes, especialmente, polacos e ucranianos. Esses colonos deixaram diversos traços de sua cultura. É bastante evidente, principalmente no tocante às edificações antigas, os característicos lambrequins ornando as varandas dos casarões de madeira. Em Itaiópolis, o primeiro local visitado foi a paróquia Nossa Senhora da Medalha Milagrosa, localizada na rua Getúlio Vargas. A igreja, fundada em 27/11/1953, está passando por reformas. Mesmo assim, foi possível comtemplar a sua bela arquitetura externa e o seu interior adornado com pinturas feitas à mão.
O segundo local visitado foi Centro de Recepção de Visitantes, localizado na praça existente na rua Nereu Ramos. O centro, tendo como sede uma edificação com característica eslava do final do século 19, contém diversos itens de artesanato local que guardam relação com a cultura dos imigrantes poloneses e ucranianos. Destacam-se as lindas pêssankas: desenhos feitos à mão em cascas de ovos de diferentes aves. Os desenhos baseiam-se em simbolismos atrelados às culturas ucraniana e polaca. O trabalho é totalmente artesanal e o resultado é uma obra de arte única e belíssima.
Após a visita ao centro de recepção, a próxima etapa consistiu em percorrer o histórico bairro Alto Paraguaçu. O bairro ostenta diversas casas com arquitetura tradicional polaca. É também nele que se encontra a Paróquia Santo Estanislau. A referida paróquia data do ano de 1901, quando sua sede era em uma construção de madeira. O edifício atual começou a ser construído em 1915 e foi inaugurado em 1925. A igreja é detentora de uma série de detalhes que a embelezam e a destacam. Desde a imponente altura de sua torre até seus vitrais e os desenhos internos feitos à mão, a igreja é atestado do capricho e cuidado que tiveram os seus construtores: uma verdadeira obra de arte em forma de edifício religioso.
Outro edifício visitado pelo grupo foi o Moinho Kollross. O moinho foi construído em 1950 por Rodolfo Kollross Filho. De acordo com o Portal de Turismo da Prefeitura de Itaiópolis: “Ele foi usado na moagem de diversos grãos até 1999, quando a economia local se voltou à produção de tabaco. A partir dessa época, sua estrutura passou a ser usada apenas para o beneficiamento de arroz. Além de sua trajetória histórica, a edificação se destaca por seu estilo arquitetônico. Ela foi erguida com o mesmo sistema construtivo usado pelos imigrantes poloneses presentes no Brasil: uma estrutura em gaiola de madeira contraventada, com vedação externa das paredes por tábuas, estas arrematadas com mata-juntas. Ele também chama a atenção por sua área, já que foi concebido para abrigar grande quantidade de máquinas funcionando ao mesmo tempo”. O moinho foi restaurado, recentemente, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico e Nacional (Iphan), encontrando-se na fase dos arremates para que ocorra a abertura ao público.
A incursão foi encerrada com uma visita ao Casarão - Museu de História Regional. A edificação, construída em 1927 por Nicolau Ruthes (Roth) Sobrinho, descendente dos colonos de Rio Negro, já foi residência, comércio e hospital. Entre os anos de 2017 e 2021, o casarão foi restaurado e, atualmente, além do museu, oferece oficinas culturais e também possui um espaço gastronômico. Entre as peças do acervo museológico encontram-se artefatos indígenas, armas de fogo rústicas, ferramentas utilizadas pelos primeiros imigrantes, equipamentos hospitalares antigos, carroções, dentre tantos outros.
A saída a campo permitiu o contato com personalidades, objetos e edifícios que fizeram parte da história de diversos municípios do Planalto Norte Catarinense e Sul do Paraná. O patrimônio cultural existente oportunizou a reflexão sobre como era a vida dos primeiros imigrantes aportados no Brasil e de seus descendentes. Também possibilitou evidenciar que a história, longe de ser um emaranhado de fatos isolados, é o intercâmbio de um complexo de fenômenos interligados entre si. Para ilustrar essa conclusão bastará considerar que família Ruthes estava entre as primeiras levas de imigrantes estabelecidos em Rio Negro em 1829 e teve um de seus descendentes como o responsável pela construção do edifício, em 1927, que hoje sedia o museu regional em Itaiópolis.
Diego Gudas. Doutorando do Programa de Doutorado em Desenvolvimento Regional (UnC Canoinhas/SC). Bolsista do Programa Uniedu.
Referências:
BIERNASKI, Alice Fürst. Minha Família: Fürst, Ruthes, Sauer e Zipperer. 1. ed. Mafra/SC: Editora Nitram, 2022.
Centenario da Colonisação Allemã: Rio Negro e Mafra, 1829 - 1929. Curitiba: Editora Olivero, 1929.
Moinhos coloniais. In: Prefeitura Municipal de Itaiópolis. Portal de Turismo. Disponível em: https://turismo.itaiopolis.sc.gov.br/o-que-fazer/item/moinhos-coloniais. Acesso em: 15 maio 2023.
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