O SAPO QUE NÃO ERA BOI
“Em comunicação, boatos valem fatos”.
(Elmo)
Junho de 1995, Canoinhas, planalto norte de Santa Catarina, madrugada de
sábado no distrito do Campo D’Água Verde, em rua próxima nos fundos da escola
local.
Os cães que guardavam a casa de dona Estefânia, viúva solitária que
residia por ali, tornaram-se inquietos, impacientes, irritados com alguma
presença desconhecida, daí que não paravam de latir e de encostar as patas
dianteiras na grade de metal na tentativa de ultrapassá-las. O que ou quem os
atemorizava?
A velha senhora levantou-se com dificuldade do leito, acendeu as luzes
por onde passava e foi até a janela da cozinha, momento em que arredou as
cortinas, pôs os óculos e tentou divisar alguma coisa lá fora, mas nada viu.
Descontente em não solucionar o mistério, apanhou a lanterna de oito
pilhas que mantinha na gaveta do armário e saiu porta afora para sanar a
curiosidade de veterana mulher.
A essas alturas, os cães ladravam de forma incessante e, quando viram
dona Estefânia por ali, camisola branca e lanterna acesa em punho, aumentaram
as manifestações de ferocidade. A mulher, embora apreensiva com a situação,
abriu o portão e permitiu que apenas um dos seus cães a acompanhasse até uma
vala do outro lado da rua, ladeada por volumoso capinzal.
O facho de luz da potente lanterna focalizou exatamente o local onde o
cão não parava de latir, momento em que um grande vulto saltou do capinzal e se
lançou em direção à profunda vala, e a mulher pôde ouvir o impacto de um corpo volumoso
sobre a água que circulava pelo úmido local.
Tomada pelo medo, dona Estefânia saiu imediatamente do lugar, entrou em
casa, quase sem ar, e dirigiu-se ao telefone da sala; discou meio trêmula o
190, com o coração acelerado e, quando foi atendida, disse aos gritos:
- Por favor, seu polícia, venha logo! É uma emergência. Tem alguma coisa
estranha na valeta aqui perto de casa. Depressa, pelo amor de Deus!
Identificado o local do chamado, uma viatura policial, em questão de
minutos, chegou ao local. Dois policiais saltaram às pressas do veículo e se
dirigiram até a dona da casa para ouvir detalhes sobre o caso e dar início à
investigação.
Quando inquirida, a veneranda dama explicou o que houve, justificou a
solicitação e apontou para a densa vegetação onde viu a estranha criatura. Os
dois agentes da lei indagaram sobre o quê, na opinião de dona Estefânia,
poderia ter aparecido naquele lugar, àquela hora, e a mulher apresentou a sua
versão:
- Acho que foi sapo, e dos grandes. Um sapo gigante, do tamanho de um
boi. Foi isso, um sapo-boi, tenho certeza!
A declaração do avistamento de tal aberração percorreu as ruas do
distrito e, como rastilho de pólvora, ganhou a cidade e sua explosão espalhou
fragmentos de versões pelo mundo afora. Um sapo-boi, no Campo D’Água Verde, era
só o que faltava! Houve um pipocar de notícias, boatos, fofocas e outros
processos de comunicação; a mídia se encarregou de alimentar a curiosidade
popular com notas e recados permanentes sobre o suposto batráquio e as
repercussões de sua mal explicada presença.
Um grupo de salvamento local foi acionado e deslocou-se, na manhã
seguinte, para iniciar as buscas com a intenção de capturar o fabuloso anfíbio,
mas nada, absolutamente n-a-d-a foi encontrado. Provavelmente, o raríssimo
espécime da fauna brasileira escondeu-se no meio do capinzal interminável, impressão
dos humoristas de plantão, no sentido de livrar-se do assédio das câmeras,
máquinas fotográficas, microfones, autógrafos e público em geral.
Após dois dias, surge uma notícia bombástica de que o precioso espécime
havia sido finalmente capturado e se encontrava acondicionado numa grande caixa
de madeira, nas dependências de um ginásio de esportes local, sob vigilância
permanente das autoridades, aguardando a chegada de especialistas do IBAMA que
dariam destino correto ao animal. Filas se formaram diante do prédio, na
esperança de uma oportunidade de ver o fabuloso sapo-boi do Campo D’Água Verde.
Providências foram tomadas para uma breve visitação, diante da pressão popular,
e um furo foi aberto na caixa, para que a multidão, ao passar em fila, pudesse
conferir a inusitada presença. A orientação dada, antes do início de verdadeira
romaria, foi que não era recomendável aproximar muito o olho da abertura, pois
o animal, enfurecido no cativeiro, poderia arranhá-lo.
E todos os que passavam pela experiência, de qualquer forma, constatavam
a presença do animal e comentavam com exclamações, tais como:
- Bicho feio! Não é coisa desse mundo.
- Quase me atacou o danado!
- Mugiu que nem boi, mas parece um ET.
A tentativa de encerrar o caso com a captura do suposto animal não
surtiu o efeito desejado, e o mito seguia seu caminho fortalecendo-se com o
imaginário popular. Uma segunda estratégia local foi elaborada com a produção
de um programa radiofônico, em horário de grande audiência, sábado pela manhã,
para esclarecer, em definitivo, a população sobre o rumoroso caso. Foram
convidados dois biólogos especialistas para uma entrevista, bem como um
engenheiro agrônomo com experiência na região norte do país. Havia grande
otimismo no ar de que finalmente o assunto sapo-boi seria encerrado naquela
ocasião.
Naquele momento histórico, o vigoroso animal já havia sido visto por
centenas de pessoas e sua estatura oscilava entre um e dois metros, sendo
classificado como um carnívoro voraz, alimentando-se de cães, carneiros,
cabras, aves e bezerros, cujos sumiços ninguém conseguia explicar, pois até
frangos assados e pernis passaram a fazer parte do insaciável apetite.
Durante o programa, campeão de audiência, iniciado às 10 horas daquele
sábado, as perguntas foram acontecendo, sendo respondidas com a exatidão e a
seriedade que a ciência determina, sempre encaminhadas pelos ouvintes via
telefone. Finalmente, a pergunta essencial despontou:
- Engenheiro Paulo Honda, o senhor que conhece bem a região onde vive o
sapo-boi acredita ser possível para essa espécie sobreviver por aqui?
Paulo não pestanejou e respondeu com segurança o questionamento:
Era o que todos queriam e precisavam ouvir, mas, logo em seguida, o telefone
tocou, e uma ouvinte do distrito manifestou, no ar, o pensamento predominante:
- Vocês querem é esconder a verdade do povo. E daí que o sapo-boi ande
por aí? Ele pertence ao povo dessa terra e somente o povo do Campo pode decidir
o que fazer com ele. Por enquanto, o sapo-boi é nosso! Só nosso!
As opiniões agora estavam divididas pró e contra a existência do tal
sapo-boi, até que o mistério finalmente foi esclarecido por um pacato cidadão:
- Veio a enchente e elas fugiram para as valetas.
- Elas quem, seu Ribeiro?
- Mas, seu Ribeiro, rãs são animais de pequeno porte, pelo que sei.
- As minhas não. São bem grandinhas, da espécie touro e atingem o
tamanho da minha mão.
Essa história teve uma solução racional, pois mesmo confusa no início
mostrou, no seu desenrolar, que a verdade sempre vem à tona, mas exige um
esforço descomunal de quem a procura.
Porém, alguém esteve num movimentado posto de combustível, próximo ao
local original desta narrativa, no final de 2009, e fez ao frentista a seguinte
pergunta:
- Jovem, por acaso já ouviu falar da existência de um sapo-boi por
aqui?
O atendente, surpreso com a questão, respondeu prontamente:
- Eu nunca vi, mas conheço muita gente que jura ter se encontrado com o
bicho, e o susto foi grande, seu moço!
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